Meio de volta...

domingo, maio 22

UMA NOITE NO CAIRO

Noite no Egito. O céu claro e profundo

Fulgura. A rua é triste. A Lua cheia

Está sinistra, e sobre a paz do mundo

A alma dos Faraós anda e vagueia.



Os mastins negros vão ladrando á lua...

O Cairo é de uma formosura arcaica.

No ângulo mais recôndito da rua

Passa cantando uma mulher hebraica.



O Egito é sempre assim quando anoitece!

Às vezes, das pirâmides o quedo

E atro perfil, exposto ao luar, parece

Uma sombria interjeição de medo!



Como um contraste àqueles misereres,

Num quiosque em festa alegre turba grita,

E dentro dançam homens e mulheres

Numa aglomeração cosmopolita.



Tonto do vinho, um saltimbanco da Ásia,

Convulso e roto, no apogeu da faria,

Executando evoluções de razzia

Solta um brado epilético de injúria!



Em derredor duma ampla mesa preta

- Última nota do conúbio infando -

Vêem-se dez jogadores de roleta

Fumando, discutindo, conversando.



Resplandece a celeste superfície.

Dorme soturna a natureza sábia...

Embaixo, na mais próxima planície,

Pasta um cavalo esplêndido da Arábia.



Vaga no espaço um silfo solitário.

Troam kinnors! Depois tudo é tranqüilo...

Apenas como um velho stradivário,

Soluça toda a noite a água do Nilo!



Augusto dos Anjos








Nenhum comentário:

Postar um comentário